24/10/2023
Anulação de deliberação da assembleia de condóminos
Legitimidade passiva do condomínio
O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que, com base numa interpretação atualista da lei, as ações que visem a anulação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser propostas contra o condomínio, representado pelo administrador.
O caso
O proprietário de uma fração autónoma de um prédio em propriedade horizontal intentou uma ação contra o condomínio, representado pela sua administradora, impugnando e pedindo que fossem declaradas nulas as deliberações de uma assembleia de condóminos na qual fora aprovado o mapa das contas dos condóminos reportadas a 31/12/2020, onde lhe tinham sido imputadas dívidas pela anterior administração, que não aceitava, tal como não aceitava a validade da assembleia.
Mas o tribunal concluiu pela ilegitimidade passiva do condomínio e que deviam ter sido demandados diretamente os condóminos votantes, com a consequente absolvição do condomínio da instância, decisão da qual foi interposto recurso para o TRL.
Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa
O TRL julgou procedente o recurso, declarando a legitimidade passiva do condomínio demandado para os termos da ação, ao decidir que, com base numa interpretação atualista da lei, as ações que visem a anulação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser propostas contra o condomínio, representado pelo administrador,
A legitimidade é um pressuposto processual. O objetivo da legitimidade das partes prende-se com o interesse em que a causa seja julgada perante os verdadeiros e principais interessados na relação jurídica, apresentando-se, por isso, como o corolário do princípio do contraditório. De acordo com a lei, o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar e o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer, exprimindo-se o interesse em demandar pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
É sabido que o condomínio de um prédio constituído em propriedade horizontal não tem personalidade jurídica, mas, por via do instituto da extensão da personalidade judiciária, goza atualmente de personalidade judiciária relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador.
Ora, a lei, ao dispor sobre a impugnação das deliberações da assembleia de condóminos atribui legitimidade ativa para a interposição da ação competente a qualquer condómino que as não tenha aprovado, para depois afirmar que a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito. Tendo presente esta norma, formou-se corrente jurisprudencial no sentido de que as deliberações tomadas em assembleia de condóminos são da exclusiva responsabilidade daqueles que as votaram, por não envolverem o exercício de qualquer função ou poder por parte do administrador, pelo que têm legitimidade passiva para as ações daquela natureza os condóminos que votaram favoravelmente a deliberação ou deliberações impugnadas e para a qual deverão ser demandados pessoalmente, ainda que a sua representação em juízo caiba ao administrador do condomínio, ou a pessoa designada para o efeito pela assembleia de condóminos.
A par desta corrente jurisprudencial formou-se outra, atualmente maioritária, fundada numa interpretação atualista da lei, assente no entendimento que as deliberações aprovadas exprimem a vontade do condomínio, do grupo de todo os condóminos, e não apenas daqueles que as aprovaram e que as ações de anulação de deliberação da assembleia de condóminos cabem no âmbito das funções exercidas pelo administrador, a quem compete executar as deliberações da assembleia de condóminos, devendo, por conseguinte, serem propostas contra o condomínio representado pelo seu administrador, a quem caberá sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio.
Tudo porque a lei foi redigida numa época em que o condomínio não gozava de personalidade judiciária, ou seja, em que não podia, enquanto tal, ser parte ativa ou passiva num processo cível. Só muito mais tarde é que a lei veio estender a personalidade judiciária ao condomínio. Razão pela qual se impõe essa interpretação atualista da lei, para se considerar que o legislador utilizou a expressão condóminos no sentido de conjunto de condóminos, ou condomínio.
Só assim se pode compreender a menção a serem os condóminos representados pelo administrador. Mal se perceberia que os condóminos, pessoas singulares ou coletivas, dotados de personalidade jurídica, carecessem de ser representados judiciariamente pelo administrador do condomínio. De facto, a representação judiciária apenas se justif**a relativamente a pessoas singulares desprovidas total ou parcialmente de capacidade judiciária. Sendo que essa solução é, também, a que permite um exercício mais ágil do direito de ação, evitando a necessidade de demandar todos os condóminos.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 25642/21.7T8LSB.L1-8, de 11 de maio de 2023
25642/21.7T8LSB.L1-8
DELIBERAÇÃO DE ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
LEGITIMIDADE PASSIVA
CONDOMÍNIO
11-05-2023
As ações que visem a anulação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser propostas contra o condomínio (colégio de condóminos), representado pelo administrador, com base numa interpretação atualista do nº 6, do art. 1433º, do CC, conjugado com o disposto no art. 1437º, nºs 1, e 2, do mesmo Código, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 8/2022, de 10/01.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (dgsi.pt)
Código Civil, artigo 1433.º n.º 6 e 1437.º
Lei n.º 8/2022, de 10/01
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE DELIBERAÇÃO
LEGITIMIDADE PASSIVA
CONDOMÍNIO
26149/22.0T8LSB.L1-7
26-09-2023
I.– A acção de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos deve ser intentada contra o condomínio - que será representado em juízo pelo administrador ou por quem a assembleia designar - e não contra os condóminos que aprovaram a deliberação.
II.– A legitimidade passiva do condomínio é afirmada com base numa interpretação actualista do nº 6 do art. 1433º do C. Civil, conjugado com o disposto no art. 1437º/1 e 2 do mesmo código, na redacção introduzida pela Lei nº 8/2022, de 10 de Janeiro.
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/9a10bda1669ff9ee80258a400047add9?OpenDocument&Highlight=0,25642%2F21.7T8LSB.L1-8
Anulação de deliberação da assembleia de condóminos (lexpoint.pt)
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