09/03/2025
O Grande Despertar dos Senhores do Mundo
Durante séculos, os bem-aventurados do destino dormiram tranquilos nos seus tronos almofadados, confiantes de que a ordem natural das coisas permaneceria inalterável. O filho do servente serviria, o do operário operaria, e os descendentes dos iluminados da sorte continuariam a desfrutar das regalias que o universo, num ato de suprema justiça divina, lhes concedeu. Era um mundo organizado, previsível, confortável – para eles, claro.
Mas eis que surge a perturbação! Um dia, no meio dos seus cocktails e das suas herdades, perceberam, com um arrepio súbito, que os filhos dos seus empregados já não estavam destinados a baixar a cabeça perante os seus herdeiros dourados. “Como assim, aquele rapaz que o meu avô viu nascer na miséria agora tem um mestrado? Como assim, a filha do motorista anda a dar conferências? Como assim, há quem ouse desafiar a tradição?”
Foi um golpe duro. Durante anos, acreditaram que o mundo era uma passagem serena, uma esteira rolante que os levaria da maternidade de luxo ao conselho de administração, sem que tivessem de se esforçar mais do que um leve levantar de copo em jantares de networking. E, de repente, os lugares outrora reservados aos seus nomes começavam a ser ocupados por gente que teve o desplante de estudar, trabalhar e, imagine-se o ultraje, ter talento.
O pior é que ninguém os avisou que a mobilidade social é uma coisa teimosa. Como um vento incómodo que insiste em soprar contra a estabilidade dos seus privilégios, derruba certezas, muda regras e, pior que tudo, obriga a competir. Porque, sejamos francos, os habituais donos do mundo sempre foram exímios em herdar, mas a excelência do seu esforço raramente passou da ginástica necessária para desviar responsabilidades.
O que fazer então, perante tal afronta? Bem, há quem se resigne, há quem lute, mas os mais engenhosos preferem uma estratégia clássica: chorar o fim dos bons velhos tempos, culpar os novos ricos pelo declínio dos valores, e inventar um novo mito reconfortante – o de que quem vem de baixo só sobe porque o mundo virou comunista e meritocracia agora é coisa do passado.
Que ironia. Passaram a vida a pregar o esforço e o mérito – desde que não fosse necessário aplicá-los. Agora, que finalmente é exigido que provem o seu valor, a indignação toma conta dos seus corações. E assim seguem, cambaleando na sua perplexidade, ainda na esperança de que alguém apareça e lhes devolva o que sempre tomaram como garantido: um lugar ao sol, sem suor nem mérito, só porque sim.